quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A POESIA ESTÁ NO AR II


O poeta é um construtor, cuja matéria-prima é a palavra. O escultor extrai a forma de um bloco de pedra , o poeta extrai da linguagem todos os seus recursos, seleciona e ordena as palavras, fazendo com que o texto sobressaia e permaneça no tempo, na nossa memória. Observe, na seqüencia, alguns recursos que podem ser utilizados na composição de um poema.


A. O exagero (hipérbole) para realçar uma ideia.



Ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!



É ter de mil desejos o esplendor
e não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!



É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condenar o mundo num só grito!



E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e segue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!


Florbela Espanca. Charneca em flor. 1930.
In Sonetos. Orfeu, s/d.p.107.



B. A repetição de um ou mais termos de forma a obter um efeito expressivo.



No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.


Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.


Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.


Carlos Drummond de Andrade. In Alguma poesia.
c Granã Drummond. www. carlosdrummond.com.br
Rio de Janeiro; Record.



C. A antítese - oposição de ideias.


Ismália

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs- se na torre a sonhar ...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.


No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...


E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...


E como um anjo pendeu
As asas para voar ...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...



As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par ...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

Alphonsus de Guimaraens. Poesia. Coleção Nossos .
Rio de Janeiro: Ler, !963, p.70 e 71.



D. A comparação, para uma definição mais expressiva.


I. Farol


No meio da noite
meu coração te chamacomo um farol solitáriobusca os contornos de um barco,no centro do nevoeiroa silhueta invisível.



meu sussurro,meu grito?
Quem ouvirá meu apelo,



Em volta do silêncio
uma borboleta de seda
é o presságio dos teus beijos.

Roseana Murray. Recados do corpo e da alma.
Coleção Falas poéticas. São Paulo: FTD, 2003. p. 37.



II. O Poema



Um poema como um gole dágua bebido no [escuro
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para [sempre na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua [misteriosa condição de poema.
Triste.
Solitário.
Único
Ferido de mortal beleza.



Mário Quintana. In Aprendiz de feiticeiro.
c by Elena Quintana São Paulo: Globo.




E. A combinação de palavras, construindo novos e múltiplos sentidos.


I. Amar


Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar , amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?[...]



Carlos Drummond de Andrade. A palavra mágica.
(Seleção Luzia de Maria) Rio de Janeiro: Record, 1997.




II. Bicicleta


Que surpresa a manhã me reserva,
a alegre scienza de tuas pernas.
És uma imagem tão concreta:
mulher passando de bicicleta.
Circulas feito jornal silencioso,
vens de um mundo novo.
Nervo exposto do movimento,
tempestade amorosa do tempo.
Texturas de ritmo e luz,
sensualidade, trobar clus.
Passas por mim e penso:
É por mim que ela passa.

Augusto Massi. Nagativo. São Paulo:
Companhia das letras, 1991.



III. Relógios e beijos

Quem os relógios inventou? Decerto
Algum homem sombrio e friorento.
Numa noite de inverno tristemente
Sentado na lareira ele cismava
Ouvindo os ratos a roer na alcova
E o palpitar monótono do pulso.


Quem o beijo inventou? Foi lábio ardente,
Foi boca venturosa, que vivia
Sem um cuidado mais que dar beijinhos...
Era no mês de maio. As flores cândidas
A mil abriam sobre a terra verde.
O sol brilhou mais vivo em céu d'esmalte
E cantaram mais doce os passarinhos.


Álvares de Azevedo. In Lira dos vinte anos.
Coleção Grandes leituras. São Paulo: FTD, 1994. p. 188.




IV. Filosofia

Hora de comer - comer !

Hora de dormir - dormir!
Hora de vadiar - vadiar!
Hora de trabalhar?
__ Pernas pro ar que ninguém é de ferro!


Ascenso Ferreira. Catimbó. In Os cem melhores poemas brasileiros do século.
Ítalo Moriconi (Org.). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.p.83.




quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A POESIA ESTÁ NO AR


"E o povo poderá cantar seus próprios cantos, porque os poetas serão em maior número e a poesia há de velar" (Vinicius de Moraes).



Muitas vezes ficamos surpresos diante de alguns versos porque temos a impressão de que o autor"disse" exatamente o que gostaríamos de dizer; outras vezes, a surpresa acontece porque algo que nos passa despercebido foi captado com energia, emoção. Estas são reações provocadas pela poesia: despertar os sentidos, suscitar emoções...


Como diz o grande poeta José Paulo Paes:


"[...] Geralmente a prosa entra por um ouvido e sai pelo outro. A poesia, não: entra pelo ouvido e fica no coração".


OS RECURSOS DA LINGUAGEM POÉTICA


O mundo da poesia é amplo, rico e plural.A poesia pode estar em uma dança, em uma pintura ou escultura, na cena de um filme, em uma fotografia, etc.E qual a diferença entre poesia e poema?
A palavra poesia origina-se da palavra grega poiesis, que significa "ação de fazer algo". A palavra poema, do grego poiema, significa "o que se faz".O poema, então, constitui a concretização da poesia e é uma de suas manifestações mais significativas. Ele é o encontro do poeta com a palavra, encontro que se dá pela procura de efeitos sugestivos e simbólicos, pela busca de ritmo e musicalidade.


Leia:


O poema

Uma formiguinha atravessa, emdiagonal, a página ainda em branco.Mas ele, aquela noite, não escreveu nada.Para que? Se por ali já haviapassado o frêmito e o mistério da
vida...


Mário Quintana. In Sapato florido. c by Elena Quintana. São Paulo: Globo.

A Pesca


O anilo anzolo azulo silêncioo tempoo peixe
a agulhaverticalmergulha
a águaalinhaa espuma
o tempoo peixe
o silêncio
a garganta
a âncora
o peixe
a boca
o arrancoo rasgão
aberta a águaaberta a chagaaberto o anzol
aquilinoágil-clarotransporte
o peixe
a areiao sol.


Affonso Romano de Sant' Anna. A poesia possível. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.


Curiosidade


"Na Grécia Antiga, os versos eram sempre acompanhados de música,
pois, para os gregos, poesia e música eram inseparáveis..."


Fonte de pesquisa: http://greciaantiga.org






terça-feira, 4 de janeiro de 2011

UM POEMA DE AMOR



O amor é um dos temas mais abordados nas artes de todos os tempos. Cada artista fala do amor, ou exprime esse sentimento, de um modo particular.Leia a seguir um belo poema de amor, escrito por um grade poeta brasileiro.


PELA RUA


Sem qualquer esperançadetenho-me diante de uma vitrina de bolsas na Avenida de Nossa Senhora de Copacabana, domingo,enquanto o crepúsculo se desata sobre o bairro.


Sem qualquer esperançate espero.Na multidão que vai e vementra e sai dos bares e cinemassurge teu rosto e somenum vislumbre e o coração dispara.


Te vejo no restaurantena fila do cinema, de azuldiriges um automóvel, a pé cruzas a ruamiragem que finalmente se desintegra com a tarde acima dos edifícios e se esvai nas nuvens.


A cidade é grandetem quatro milhões de habitantes e tu és uma só.
Em algum lugar estás e esta hora, parada ou andando,talvez na rua ao lado, talvez na praiatalvez converses num bar distanteou no terraço desse edifício em frente,talvez estejas vindo ao meu encontro, sem saberes,misturada às pessoas que vejo ao longo da Avenida.


Mas que esperança! Tenho uma chance em quatro milhões.Ah, se ao menos fosse mil disseminada pela cidade.


A noite se ergue comercialnas constelações da avenida.Sem qualquer esperança continuoe meu coração vai repetindo teu nomeabafado pelo barulho dos motoressolto ao fumo da gasolina queimada.

GULLAR, Ferreira.Antologia Poética. São Paulo: Summus Editorial, 1977.

CARTA À MINHA PROFESSORA


POMBO AZUL:

estou triste

tenho tristeza em mim

tenho saudades dos dias verdes e alegres.

Escrevo sentado

numa escola triste

a única alegria é este sol pintado

que deixou na parede

mas está velho

tem as suas pernas partidas

a sua cara tapada.

Perdi a única amiga

tenho apenas tristeza

vejo as paredes do meu coração

cheias de musgo

gosto da alegria, mas nunca mais a encontrei

fugiu na boca do nosso pombo azul

não poderei fazer mais poemas

este é o último da minha vida.

Sinto que morro de tristeza.



(Victor Barroca Moreira, 12 anos. In: Maria Rosa Colaço. A Criança e a vida. Ed. Lisboa: Itau, 1978.)