terça-feira, 29 de maio de 2012

O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS



Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que  dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Poque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática. 
Só uso a palavra para compor meus silêncios.


Manoel Barros.Memórias inventadas: a infância.
São Paulo: Planeta do Brasil, 2003.


sexta-feira, 25 de maio de 2012

UM GÊNIO DA ARTE


Na tela CAFÉ, de 1934, Portinari demonstra a preocupação com questões de cunho sociais no país.

       
(Tela  CAFÉ de 1934, Candido Portinari)


"Os acontecimentos que marcam a história da vida de alguém podem ser contados de diversas formas. O CORDEL a seguir utiliza os versos para divulgar um pouco a vida e a obra do gênio brasileiro, o pintor Candido  Portinari, que representou muito bem em suas telas e murais o povo, cenas do dia a dia, paisagens, a realidade, enfim o nosso Brasil"


CANDIDO PORTINARI 

No interior de São Paulo
Brodósqui foi a cidade
No dia trinta de dezembro
Com muita felicidade
Mil novecentos e três
De nascer chegou a vez
Duma grande sumidade.

Filhos de italianos
Gente humilde imigrante
Portinari veio ao mundo
Pra mudar o semblante
Nasceu pobre na fazenda
Para depois virar lenda
Artista tão importante.

Na plantação de café
Onde seu pai trabalhava
Estudou só o primário,
Mas outro poder saltava
a sua vocação de artista
Pra todos dava na vista,
Pois já se manifestava.

Aos quinze anos de idade
Foi pro Rio de Janeiro
Buscar o conhecimento
Do puro e verdadeiro
Entra fazendo apartes
Na escola de belas-artes
Pra logo ser o primeiro.

Foi no ano de vinte e oito
O primeiro prêmio ganhou
Na exposição geral
Que belas artes criou
Pro estrangeiro viajar
e em Paris foi morar
E um ano por lá ficou.

Com saudades do Brasil
Em trinta e um retornou
Suas telas retratam o povo
Do Brasil com seu valor,
Esquece o academismo
Pelo experimentalismo
No modernismo adentrou.

No instituto Carnegi
Lá nos Estados Unidos
No ano de trinta e cinco
Foi um dos escolhidos
Recebeu menção honrosa
Pela tela primorosa
"Café, grãos sendo colhidos.
[...]

Gostava de fazer murais
Tinha essa inclinação 
No ano de trinta e seis
Fez dois com dedicação
Pra via Dutra inaugurada
E ao ministério dedicada
Da saúde e educação.

Dessa data em diante
Sua concepção mudou
Para uma nova temática
Portinari se voltou
Na pintura informal
Foi pro cunho social
O seu fio condutor.

Companheiro de poeta,
Escritores e artista
Muita gente de cultura
Diplomata e jornalista
No final dos anos trinta
Já na projeção sucinta
Na América tá na crista.

No ano de trinta e nove
Executa três painéis
Para a feira mundial
Ganhando uma nota dez
A América viu seu toque
E o museu de Nova York
Ficou rendido aos seus pés.

Teve sucesso de venda 
E um público majestoso
Em dezembro desse ano
Teve um ganho pomposo
Um livro sobre o pintor
Sua arte e seu louvor
Foi tudo maravilhoso.

Reproduzidas no livro
A sua obra rica e bela
Cada uma mais perfeita
Empáfia verde amarela
Foi orgulhoso pro Brasil
Quando esse livro saiu
Sobre o pintor e sua tela.
[...]

Daniel Fiúza Pequeno. 
Um gênio da Arte: Candido Portinari - 
1ª e 2ª partes.



PORTINARI POR ELE MESMO


"Impressionavam-me os pés dos trabalhadores das fazendas de café. Pés disformes. pés que podem contar uma história. Confundiam-se com as pedras e os espinhos.
Pés semelhantes aos mapas: com montes e vales, vincos como rios. Quantas vezes, nas festas e bailes, no terreiro, que era oitenta centímetros mais alto do que o chão, os pés ficavam expostos e era divertimento de muitos apagar a brasa do cigarro nas brechas dos calcanhares sem que a pessoa sentisse. Pés sofridos com muitos e muitos quilômetros de marcha. Pés que só os santos têm. Sobre a terra, difícil era distingui-los. Os pés e a terra tinham a mesma moldagem variada. Raros tinham dez dedos, pelo menos dez unhas. Pés que inspiravam  piedade e respeito. Agarrados ao solo, eram como os alicerces, muitas vezes suportavam apenas um corpo franzino e doente. Pés cheios  de nós que expressavam alguma coisa de força, terríveis e pacientes.


O Brasil de Portinari - Exposição de réplicas.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

UM POUCO DE ARTE



"A ARTE NÃO REPRODUZ O INVISÍVEL:
TORNA VISÍVEL O INVISÍVEL." 
Paul Klee (1879-1940), pintor modernista


PICASSO- Mulher no Espelho. 1932 MOMA, Nova York


"A tela MULHER NO ESPELHO revela o olhar do artista e a multiplicidade de imagens e sentidos que podem vir à tona a partir de um texto ou de uma pintura."


PABLO PICASSO 


PABLO PICASSO (1881-1973) foi um dos maiores e mais originais artistas do século XX. Nasceu em Málaga Espanha, e morreu na França aos 92 anos. Deixou seu país natal aos 19 anos para, em Paris, ingressar definitivamente no mundo das artes.
Foi um dos criadores do CUBISMO, primeiro grande movimento de vanguarda do século XX. A partir de figuras geométricas, começou a produzir imagens, combinando diversos planos e mostrando os diversos ângulos dos seres retratados.
Além de grande pintor, destacou-se como escritor, gravador, desenhista e ceramista. Também criou cenários e figurinos para peças de teatro.




FRASES E PENSAMENTO 
DE PABLO PICASSO 

"A pintura nunca é prosa, é sempre poesia que se escreve com versos de rima plástica."


"A arte é a mentira que nos permite conhecer a verdade."


"Um quadro só vive para quem olha."


"No mundo nada mais existe a não ser o amor.
Qualquer que ele seja."


"Pinto as coisas como as imagino e não como as vejo."


"Há pessoas que transformam o Sol numa simples mancha amarela, mas há aquelas que fazem de uma simples mancha amarela o próprio Sol."


"O que já fiz não me interessa. Só penso no que ainda não fiz."


"Pintar é libertar-se, e isso é o essencial."


(www.frasesfamosas.com.br/de/pablopicasso)



A VIDA E A ARTE 
DE PABLO PICASSO

A vida e a arte de Picasso estão completamente interligadas, já que sua vida pessoal esteve sempre presente em seu trabalho. Quando tinha um novo amor, este constantemente era retratado em suas tela, e quando este amor acabava, a figura de uma adoração do passado era distorcida e algumas vezes aparecia em suas pinturas como um monstro. As mulheres na vida de Picasso sabiam quando estavam sendo trocadas, simplesmente por meio da observação  de seu trabalho.

(www.10emtudo.com.br)  


ONDE ESTÁS?


É meia-noite... e rugindo
Passa triste a ventania,
Como um verbo de desgraça,
Como um grito de agonia.
E eu digo ao vento, que passa
Por meus cabelos fugaz:
"Vento frio do deserto,
Onde ela está? Longe ou perto?"
Mas, como um hálito incerto,
Reponde-me o eco ao longe:
"Oh! minha'amante, onde estás?"


Vem! É tarde! Por que tardas?
São horas de brando sono,
Vem reclinar-te em meu peito
Com tem lânguido abandono!...
'Stá vazio nosso leito...
'Stá vazio o mundo inteiro;
E tu não queres qu'eu fique
Solitário nesta vida...
Mas por que tardas, querida?...
Já venho esperando assaz...
Vem depressa, que eu deliro
Oh! minh' amante, onde estás?...


Estrela - na tempestade,
Rosa - nos ermos da vida;
Íris - do náufrago errante,
Ilusão - d'alma descrita!
Tu foste, ó filha do céu!...
...E hoje que o meu passado
Para sempre morto jaz...
Vendo finda a minha sorte,
Pergunto aos ventos do Norte...
"Oh minh' amante, onde estás?...


Castro Alves. Espumas flutuantes. Rio de Janeiro: Record, 1998.


O poeta CASTRO ALVES (1847-1871) nasceu na Bahia, passou sua infância no sertão e, aos dezesseis anos, foi estudar em Recife. Seus poemas tratam do amor e de problemas sociais do seu tempo, tendo abordado, com rara indignação e eloquência, o sofrimento dos escravos.
Em sua breve vida, foi inspirado por muitas musas, sendo a mais célebre a  atriz portuguesa Eugênia Câmara, a quem dedicou muitos poemas de amor.

HIPÉRBOLE


HIPÉRBOLE é uma figura de linguagem que consiste em expressar uma ideia de forma enfática e exagerada.

A HIPÉRBOLE E O AMOR

A hipérbole é uma figura de linguagem muito usada na literatura e também no cotidiano. O desejo de exprimir um estado de alma, como o sentimento amoroso, muitas vezes só se consegue com o desvio da linguagem usual e informativa.
Para o filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626), "O falar incessantemente por hipérboles só se adapta bem ao amor."



Leia alguns exemplos que ilustram bem essa premissa:




" O MUNDO é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe 
no breve espaço de beijar"


Carlos Drummond de Andrade. O mundo é grande. 
In: Amar se aprende amando.c Graña Drommond.
www.carlosdrummond.com.br. Rio de janeiro: Record.


"Sonhava com milhões de estrelas iluminando a tua casa."
(Clarice Lispector)


"Tão bom morrer de amor e continuar vivendo"
(Mário Quintana)


"Amor é fogo que arde sem se ver.
É ferida que dói e não se sente."
(Camões)

AONDE?


Ando a chamar por ti, demente, alucinada,
Aonde estás, amor? Aonde ... aonde ... aonde...?...
O eco ao pé de mim segreda ... desgraçada...
E só a voz do eco, iônica, responde!


Estendo os braços meus! Chamo por ti ainda!
O vento, ao meus ouvidos, soluça a murmurar;
Parece a tua voz, a tua voz tão linda
Cantante como um rio banhado de luar!


Eu grito a minha dor a minha dor intensa!
Esta saudade enorme, esta saudade imensa!
E só a voz do eco à minha voz responde...


Em gritos, a chorar, soluço o nome teu
E grito ao mar, à terra, ao puro azul do céu:
Aonde estás, amor? Aonde ... aonde... aonde...? ...


Florbela Espanca. Poemas de Florbela Espanca. 
Marai Lúcia Dal Farra (org.) São Paulo: Martins Fontes, 1996.




Florbela de Alma da Conceição Espanca (1884-1930) nasceu em Vila Viçosa, no Alto Alentejo, Portugal. Ignorada pelo público leitor e pela crítica, sua poesia só foi reconhecida após sua morte precoce. Considerada como a grande figura feminina das primeiras décadas da literatura portuguesa do século XX, imprime a seus versos de imagens fortes toda a angústia, a tristeza, a solidão, o desencanto, aliados a uma imensa ternura e a um desejo de felicidade e plenitude.

www.vidaslusofonas.pt/florbela




O olhar amoroso de um poeta anuncia o que, em geral, passa despercebido aos olhos dos homens comuns. O poema que você leu acima (AONDE?) é um soneto que aborda o tema AMOR. Fala do amor de maneira intensa e livre do rigor da época em que  a poetisa viveu.


SONETO é uma forma poética constituída por catorze versos. Compõe-se de quatro estrofes (duas quadras e dois tercetos).





BRINQUEDO


Antigamente, havia poucos brinquedos. Menina brincava de boneca, menino brincava com carrinho. Depois, foram aparecendo os revólveres, para a criança brincar de filme de bandido. E daí surgiram tantos brinquedos incríveis, mas tantos, que já passou da conta.
Em tempo de Natal, as lojas ficam cheias de novidades fora de série. Tudo movido a pilha. Criança que não for acostumada a ver televisão fica até assustada.
Mas, aqui entre nós, com todos esses brinquedos espetaculares, será que lá no fundo do coração, a garotada não sente falta das brincadeiras antigas? Brinquedo, para divertir, não precisa ser complicado. Criança gosta é de usar o "faz -de-conta". E dizendo "FAZ-DE-CONTA", pedaço de pau vira espada mágica, vassoura vira cavalo, cadeira vira avião...
Sim, parece que não tem mesmo dúvida. O melhor brinquedo de todos é a nossa imaginação...


QUEIROZ, Rachel, Memórias de menina; 
ilustrações Mariana Massarani. - 2 ed. - 
Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.



Rachel de Queiroz ainda não tinha tinha completado 20 anos quando publicou O QUINZE, seu primeiro romance. mas tal era a força de seu talento, que o livro despertou imediata atenção da crítica.
Em 2002, pela editora José Olympio e ilustrado por Graça Lima, publicou XERIMBABO - forma pela qual os índios se referem aos animais de estimação.
Foi a primeira escritora a integrar a Academia Brasileira de Letras.



TROVAS POPULARES



Se eu fosse podre de rico,
Não seria boiadeiro.
Morava em casa alugada 
Lá no Rio de Janeiro.


Pescador levanta a vela,
Joga a rede com cuidado.
O peixe está te esperando
Nas águas do mar salgado.


Por favor me acuda logo,
seu doutor cirurgião.
Me cure desta saudade
Que dói no meu coração.


A rendeira troca os bilros,
Cresce a renda na almofada.
Quem dera a linda rendeira
Fosse minha namorada.


O filho do carpinteiro
Ajuda o pai com amor:
Me lembra São José
Junto com Nosso Senhor.


Madrugada, já está pronto
Nosso pão de cada dia.
E o cheiro do pão no forno
Vai chamando a freguesia.


Lá na torre da Matriz
Toca o sino o sacristão.
O sino badala forte,
Mais forte no meu coração.


Vou levando o meu rebanho
Atrás de um pasto seguro,
Livre de gavião no céu,
Livre de onça no escuro.


O sol vê cair a chuva,
Escondido atrás da serra.
Ele sabe que, sem chuva,
Não cresce a planta na terra.


Santo Antônio de Lisboa,
Meu padrinho e protetor,
seja meu advogado
Aos pés de Nosso Senhor.

QUEIROZ, Rachel de.Memórias de menina;
ilustrações Mariana Massarani. - 2 ed.- Rio de Janeiro: José Olympio. 2006.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

PIANO ALEMÃO



Vendo urgente,
Muito urgente, 
Um piano 
Alemão.


Ele toca
Fino ou grosso
Em qualquer 
Ocasião


Toca ópera
Tango, samba,
Ele toca
Sem ter mãos.


Toca sempre,
Só não pia,
Mas é piano
Alemão.


CAPPARELLI, Sérgio. 111 poemas para crianças;
ilustraçoes de Ana Gruszynki. - 5 ed. - Porto Alegre: L&PM, 2006.


SOU EU MESMO



Eu só queria ser eu mesmo
E assim, querendo,
Ai de mim!


Você tem
Os olhos da vovó.
Você tem 
A boca da titia.
Você tem
Os cabelos da mamãe.
Você tem 
As mãos de tio Antônio.
Você tem 
O nariz do papai.
Você tem...


Pára, pára, pára, 
Quero ser eu mesmo: 


E não o Frankenstein!


CAPPARELLI, Sérgio. 111 poemas para crianças;
 ilustrações de Ana Gruszynski. -5  ed- Porto Alegre: L&PM, 2006.

NA MINHA PELE


Ninguém vê
O  que vejo
Faz
O que faço
Sente 
O que sinto
Porque eu 
Sou eu
De pedaço
Em pedaço.
Ninguém veste 
A pele que visto
Por isso
eu sou eu
Apenas eu
Desde que existo.




CAPPARELLI, Sérgio. 111 poemas para crianças; 
ilustrações da Ana Gruszynski - 5 ed. Porto Alegre: L&PM, 2006. 

SAUDADES


Dos
seus olhos verdes querendo amarelar
seu jeito engraçado querendo conquistar
seu sorriso tímido que eu retribuí
com quarenta e sete balas de chocolate
embrulhadas em ridículos bilhetes de amor
que nunca vou mandar.


O telefone não tocou
meu coração não disparou
-Por favor, digam que não estou!


Prefiro fingir que encontrei por acaso na esquina
em qualquer esquina,
tanto faz,
você não existe mesmo.


MENEGAZ, Flávia. Poetando. Editora: Alis: BH-Minas Gerais.

PAISAGEM


Seis horas.
A Serra  do Curral exala seu silêncio sobre a cidade
o verde-água vai tingindo a tela cheiro de capim
e transparência de brisa


Cores vivas no horizonte
festa de fim de dia


Um coração solitário
desenha praças e avenidas
seu lápis descobre vultos pelas esquinas
e as primeiras luzes se acendem na ponta de seu pincel


O mesmo azul que escurece o canto da página
o obriga a ir embora


Guarda a paisagem com cuidado para não quebrar os edifícios
e entra no primeiro ônibus que o leve de volta à realidade. 



MENEGAZ, Flávia. Poetando . Editora Alis: BH- Minas Gerais.


PAIXÃO


Não me lembro o dia em que me apaixonei pelo Aurélio.


Não sei se procurava pelo Antônimo, pelo Sinônimo, ou seria a Ortografia...
Ou será que, simplesmente, eu passava distraída?


Só sei que ele é mesmo estupendo! Ou melhor, esfuziante!
Ás vezes é esdrúxulo, prolixo e até intrincado. 
Mas, quem é perfeito?


E mesmo sabendo que no arcóseo
há uma quantidade significante de feldspato,
eu não me importo.
Gostoso mesmo é esburgar as palavras!


MENEGAZ, Flávia. Poetando. Editora Alis: BH - Minas Gerais.

PASSAGEM


Entre a fantasia e a realidade
invento cores
entre a solidão e a lágrima 
eu canto

Se a verdade queima meus sonhos
e a dor arde insuportável
eu choro  até a noite acabar.

Depois eu lavo o rosto,
tomo meu café
e saio de bicicleta
à procura de outros caminhos.

MENEGAZ, Flávia. Poetando. Editora Alis: BH -Minas Gerais.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

ARTE DE AMAR




Se queres sentir a felicidade de amar esquece tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.


As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com 
outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.


(Manuel Bandeira)

O IMPOSSÍVEL CARINHO


Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
-Eu soubesse repor-
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!


(Manuel Bandeira)

ESTRELA



Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.


Era uma estrela tão alta!
era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.


Porque da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Porque tão alta luzia?


E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.


                                                                                                      


                                (Manuel Bandeira)

quarta-feira, 16 de maio de 2012

PARA SEMPRE


Por que Deus permite

que as mães vão -se embora?

Mãe não tem limite,

é tempo sem hora,

luz que não apaga

quando sopra o vento

e chuva desaba,

veludo escondido

na pele enrugada,

água pura, ar puro,

puro pensamento.


Morrer acontece

com o que é breve e passa

sem deixar vestígio.

Mãe na sua graça,

é eternidade.

Por que Deus se lembra

- mistério profundo-

de tirá-la um dia?

Fosse eu Rei do Mundo,

baixava uma lei:

Mãe não morre nunca,

mãe ficará sempre

junto de seu filho

e ele, velho embora,

será pequenino

feito grão de milho.



(Carlos Drummond de Andrade). 


CORTAR O TEMPO



Quem teve a ideia de 
cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome ano,
foi um indivíduo genial.


Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.


Doze messes dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número 
e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.






(Carlos Drummond de Andrade)

QUERO



Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.



Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amo amo amo amo amo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.



(Carlos Drummond de Andrade).

JOSÉ



E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?


Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?



Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?



E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?



Com a chave na mão 
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?



Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!



Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?



(Carlos Drummond de Andrade)