segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O BICHO



Vi ontem um bicho
Na imundíce do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.


(BANDEIRA, Manuel. Rio de Janeiro, 1994.)

TRADUZIR - SE



Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
que é questão
de vida ou morte
será arte?




GULLAR, Ferreira. Traduzir-se. Os melhores poemas de Ferreira Gullar. 
sel. e apres. Alfredo Bosi. São Paulo: Global, 2000. p. 1445.

CIDADEZINHA QUALQUER



Casas entre bananeirs
mulheres entre laranjeras
pomar, amor, cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus!


ANDRADE, Carlos Drummond de.

VASO DE FLORES



Uma flor no vaso
Olha o dia inteiro
Da sua janela
Para o canteiro.

Todas as amigas
Vivem no jardim,
Só ela no vaso,
Solitária assim.


(BIALIK, Hayim Nachaman. Vaso de flores. Di-versos hebraicos.
Trad. Tatiana Belink e mira Perlov. São Paulo: Scipione, 19991.)