terça-feira, 29 de maio de 2012

O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS



Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que  dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Poque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática. 
Só uso a palavra para compor meus silêncios.


Manoel Barros.Memórias inventadas: a infância.
São Paulo: Planeta do Brasil, 2003.


Um comentário:

  1. Manoel de Barros com a magia de sua poesia abrange tanto os leitores quanto os críticos literários mais exigentes e sofisticados.Definido como "o grande poeta das pequenas coisas".

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